A AUTOCOMPOSIÇÃO NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS NO PERÍODO DE PANDEMIA.

Geordano Paraguassu Pereira¹

           A crise que vem sendo experimentada pelo Brasil e pelo mundo em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus, tem alterado a forma de solução de conflitos, sempre visando a celeridade e menor burocratização, haja vista a paralisação de atividades e as dificuldades impostas pelo novo cenário para o acesso aos sistemas de justiça tradicionais.

            A via tradicional de acesso à defesa de direitos com a intervenção do Poder Judiciário, tem se mostrado incapaz de responder, com a celeridade adequada, aos anseios sociais. Com a interrupção ou diminuição do horário de funcionamento de atividades, decorrentes das tentativas de contenção da pandemia, diversas realidades negociais têm sido alteradas. Fato é que o cenário imobiliário tem sido constantemente abalado, não se fazendo possível a resolução de conflitos de forma satisfatória, pela via tradicional, sendo certo que a resolução dos conflitos de forma amigável se mostra o caminho mais adequado e rápido.

            Em vários casos temos presenciado que a correção de contratos indexados ao IGPM/FGV (índice geral de preços da Fundação Getúlio Vargas) tem se mostrado temerária ante a realidade de impossibilidade de exercício de determinadas atividades comerciais e/ou de prestação de serviços (registre-se uma segunda onda de fechamentos ainda mais efetiva no início de 2021), pelo que tem se mostrado melhor saída, como forma de se obstar a rescisão de contratos, a negociação da correção e/ou alteração na forma de aplicação desta correção.

            Segundo as últimas atualizações da FGV o índice acumulado pelo IGPM nos últimos doze meses (fator de correção geralmente utilizado) tem sido superior a 20% (vinte por cento). Temos recebido muitos questionamentos relativos a essa expressiva alta do IGPM e em todos os casos, de forma individualizada, temos primado pela flexibilização negocial entre as partes. Importante destacar que não se está a defender que o IGPM (que leva em consideração diversos fatores associados de consumo e produção) não seja um índice de correção confiável para os reajustes contratuais, porém nesse momento a distorção sentida pelo indexador nos obriga à ponderação aqui debatida sob pena de comprometimento da cadeia produtiva das empresas do setor imobiliário.

            Ao se propor a negociação como a saída mais adequada ao momento que estamos vivenciando, sinalizamos que a intervenção judicial não se mostra, como afirmado, a melhor alternativa de solução ao caso concreto, eis que ao se avolumarem discussões sob uma mesma perspectiva (com conteúdo jurídico repetitivo) pode-se gerar decisão uniforme que se mostre inadequada a um contexto específico, experiência temerária já sentida em relação aos distratos.

            A discussão sobre contratos imobiliários é recorrente em nosso judiciário e as jurisprudências, em sua grande maioria, extremamente desfavoráveis ao setor, eis que aplicadas fora do contexto do mercado e uniformizadas levando-se como norte geral a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, mesmo ante situações que não caracterizam a aplicação do diploma especial.

Nos Tribunais, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda não há entendimento consolidado no sentido de considerar a inflação ou a alteração abrupta de indexadores de preços como eventos imprevisíveis ensejadores de revisão dos contratos, pelo que a obtenção de decisões judiciais conflitantes para casos idênticos é uma realidade que poderá ser sentida.

A análise de divergências de decisões já publicadas tem demonstrado que o Judiciário está longe de formar uma jurisprudência uniforme sobre a matéria, de um lado há as regras de correção dos contratos que sob a alegação de fator imprevisível tem demonstrado favorecer os adquirentes de imóveis, de outro a inflação apurada pelos índices usualmente utilizados como fator de correção dos contratos, decorrentes da diminuição das atividades econômicas e aumento de preços no período de pandemia, também tem provocado perdas para empresários do setor, pelo que a negociação nos parece a forma mais adequada a pacificar a questão nesse momento.

Cenários econômicos atípicos ensejam a busca de soluções não usuais. A análise da situação do contrato, o histórico do adquirente no cumprimento de suas obrigações dentre outros fatores serão as balizas a serem utilizadas para definir a melhor estratégia em busca de composição de interesses ou mesmo para definir uma futura estratégia judicial, a fim de garantir o reequilíbrio das partes e a manutenção dos contratos e obrigações assumidas.

            Importante frisar que a postura defendida por nós não importa na renúncia de direitos ou na viabilidade de sobreposição das vontades dos adquirentes sobre empresários ou vice-versa. Não estamos diante de uma carta branca ao inadimplemento contratual ou à rescisão de contratos, porém, para que se obtenha nesse cenário uma maior viabilidade negocial é necessário negociar e, em caso de demora ou de não realização de acordo é imprescindível a propositura de ação judicial.

            A fase negocial deve ser sempre a primeira etapa antes do ajuizamento de qualquer demanda e nesse momento nossa orientação é para que haja maior dedicação a essa etapa que pode significar maior sucesso na resolução dos conflitos e pacificação das partes.

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¹ Dr. Geordano Paraguassu Pereira é advogado, formado pela Universidade Federal de Uberlândia/MG e responsável pelo Departamento Jurídico do Grupo Expandh, atua na área do Direito Imobiliário e Administrativo.